O tecido já lavado e passado recebe tinta e texturas que remetem à flora e fauna locais. Após a pintura feita a mão, os bordados trazem adornos à peça junto a palavras escritas na língua materna do povo Ofaié. Cada estampa produzida é única e ilustra itens como toalhas de mesa, bolsas e almofadas. Esse trabalho minucioso é feito pelas mulheres da Aldeia Ofaié, que fica a 12 quilômetros de distância de Brasilândia, município localizado na Costa Leste de Mato Grosso do Sul. Por possuir um grande potencial empreendedor, focado na economia criativa, o grupo foi escolhido para receber o primeiro Empretec Indígena do Brasil, realizado pelo Sebrae/MS, em parceria com o Governo do Estado, e Prefeitura Municipal de Brasilândia.
Nesta semana, de segunda-feira (8) à sábado (13), as 30 mulheres artesãs participaram da capacitação que trabalha as competências empreendedoras e estimula a consolidação de uma ideia de negócio. A metodologia desenvolvida pela Organização das Nações Unidas (ONU) é aplicada no Brasil pelo Sebrae há mais de 30 anos e, para atender esse público, passou por adaptações, principalmente, em relação à linguagem. Este trabalho foi executado em parceria com a Secretaria de Estado de Cidadania (SEC), que fez um mapeamento junto às comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul.
O vice-governador de Mato Grosso do Sul, José Carlos Barbosa, visitou a comunidade, nesta sexta-feira (12), e enfatizou a importância dessa iniciativa. “Estamos construindo um fato histórico, a Aldeia Ofaié será lembrada para sempre como a primeira comunidade a receber uma capacitação como essa e por empoderar as mulheres, porque o Empretec é o despertar da consciência para o empreendedorismo, traz uma mudança de postura e queremos levar essa transformação para outros pontos de MS e do Brasil, adotando a ferramenta como estratégia de política pública”, declarou Barbosinha.
Na data, também esteve presente na visita o gerente da Unidade de Soluções do Sebrae Nacional, Eduardo Curado, e o ministro em exercício dos Povos Indígenas, Luiz Eloy Terena. Sul-mato-grossense, natural da comunidade indígena AIpegue, em Aquidauana, Eloy ressaltou o impacto dessa ação e o desejo de expandi-la para outras regiões do país. “O empreendedorismo é uma das pautas que nós temos como prioridade, junto com a educação e do protagonismo das mulheres indígenas e estamos satisfeitos com o sucesso dessa experiência. Isso já é uma realidade em Mato Grosso do Sul, inclusive, com outras capacitações previstas, então, nosso objetivo agora é levar o curso para comunidades de outras regiões do país”, expôs Eloy.
Segundo o diretor-superintendente do Sebrae/MS, Claudio Mendonça, a próxima comunidade a receber o Empretec Indígena no Estado será uma aldeia da etnia Terena, localizada em Miranda. As comunidades escolhidas já possuem um potencial empreendedor e contemplá-las com esse tipo de acompanhamento é uma forma de auxiliar a promover a independência financeira. “Entramos nesse projeto para ajudar no processo de inclusão produtiva dessas pessoas, em um contexto em que há potencial. As mulheres Ofaié, por exemplo, têm um produto, uma ideia e uma vontade de fazer acontecer e o Empretec vem lapidar isso para que elas possam transformar a habilidade que possuem em geração de renda significativa para que se tornem autônomas, consigam contribuir para o sustento das famílias e melhorar a qualidade de vida”, pontuou Mendonça.
Segundo a secretária de Estado de Cidadania, Viviane Luiza da Silva, o trabalho é um passo relevante para Mato Grosso do Sul, principalmente, pelo contexto em que está inserido. O estado possui a terceira maior população indígena do país, com 116 mil pessoas, divididas em 10 etnias, de acordo com o último Censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022.
“É uma iniciativa inovadora que tem um impacto importante, pois o curso é um instrumento de transformação local que deve ser levado para outras comunidades, tanto que aqui no Estado foi firmado um termo de cooperação entre o Governo e o Sebrae com critérios para atender as outras comunidades indígenas. Nosso intuito é fazer um trabalho de dentro para a fora, considerando a demanda e especificidade de cada local para que todos se sintam parte do processo e seja possível promover a inclusão e o desenvolvimento de cada uma”, destacou a secretária.
Em Brasilândia, o impacto significativo da aplicação da metodologia já pode ser observado. O prefeito, Antônio de Pádua Thiago, ressalta que o Empretec Indígena é a 12ª edição da metodologia que a cidade recebe, de 2023 para cá. Ao todo, 11 cursos já foram ministrados e 233 pessoas receberam a capacitação. “Sabemos da transformação que o seminário é capaz de proporcionar. Brasilândia faz parte do programa Cidade Empreendedora, uma iniciativa trazida para cá pelo Sebrae, e a gente trabalha pela inclusão, dando oportunidades para as pessoas e fomentando o empreendedorismo. Percebemos um resultado muito bom nas edições e, principalmente, nessa com as mulheres indígenas”, expôs o líder do executivo.
Transformação na realidade local
Autoconfiança, empoderamento e engajamento para fazer da comercialização das peças artesanais, o sustento da comunidade indígena. Essa mudança de comportamento por parte das mulheres Ofaié pode ser percebida a partir da aplicação da metodologia, de acordo com a vice-cacique da aldeia, Ramona Coimbra Pereira, que também é a líder das artesãs.
“Vi que em poucos dias de curso, todas começaram a mudar a forma de agir. Elas nunca imaginaram que eram capazes e, com essa capacitação, perceberam que é possível fazer e seguir de forma independente, o que fez toda a diferença. Como líder, muitas vezes eu tinha que puxar a corda sozinha e, agora, percebi o envolvimento maior de todas elas e isso é fundamental para nós. Juntas somos mais fortes”, comentou Ramona.
Essa conquista é um passo importante para uma comunidade que está em processo de reconstrução. Os Ofaié foram retirados da terra em que está localizada a aldeia na década de 1970 e viveram durante anos junto com indígenas de outras etnias na região de Bodoquena, algo que culminou até mesmo no risco de extinção da população. Em 1997, após um processo de demarcação, o grupo pode retornar ao local e iniciou-se um trabalho de resgate da cultura e de organização da comunidade.
“Nosso povo resistiu e ressurgiu das cinzas. Na nossa terra, temos um grupo de 128 pessoas. São 35 famílias que vivem aqui e essa capacitação veio ao encontro de uma inclusão e de uma integração entre a sociedade indígena e não indígena. Percebemos que é possível caminhar juntos e que podemos ser quem quisermos, mas nunca deixar de ser quem nós somos e esquecer de onde nós viemos. Nós somos Ofaié e esse crescimento que a gente está conseguindo vai fazer com que a nossa população tenha renda e sustentabilidade para que a nossa futura geração possa vir com sonhos mais positivos”, revelou o cacique da Aldeia Ofaié, Marcelo Silva.
Para a geração de renda, o resgate do trabalho artesanal feito pelas mulheres começou em 2010. As ilustrações feitas em peças, como bolsas e toalhas, trazem imagens de animais e de plantas locais, além de texturas que remetem a cultura como os telhados de sapé – forma como as moradias tradicionais eram construídas.
“Nosso trabalho é uma expressão de arte. Na hora de confeccionar a gente pensa no que será colocado no tecido, o desenho e a história que a gente quer contar por meio dele. A partir desse curso a gente vai ter bastante inspiração para fazer melhor e a nossa expectativa é poder ter mais planejamento para divulgar mais o nosso artesanato, sermos valorizadas pelo que a gente faz e termos mais renda para a nossa comunidade”, revela a artesã Rosalina Martins de Souza, uma das participantes do Empretec.
Com o apoio do Sebrae/MS, por meio do programa Cidade Empreendedora, a comercialização dos produtos tem sido feita pelas artesãs na feira, em Brasilândia. Os trabalhos já foram apresentados, inclusive, em eventos organizados pela instituição em âmbito estadual, como a 19ª RuralTur – maior evento de turismo rural do país realizada em Campo Grande, em 2023 – o que tem trazido mais visibilidade para as mulheres.
De acordo com Ramona, a participação em feiras, já possibilitou, por exemplo que uma das peças feitas pelas artesãs aparecesse na novela Terra e Paixão, exibida pela TV Globo, no ano passado. “Eu participei de uma feira em Bonito e vendi uma toalha de mesa para um revendedor, passou um tempo e vimos a toalha aparecer na novela. Nem acreditei! Foi um grande orgulho para a nossa comunidade e isso fez com que mais pessoas quisessem comprar o nosso trabalho”, celebrou a líder das mulheres artesãs.
A partir dos ensinamentos trazidos pelo Empretec Indígena, o intuito é que as mulheres consigam ter ainda mais visibilidade, façam planejamento e ampliem as vendas. A professora e artesã Elisangela Eliandes ressalta a importância do aprendizado proporcionado pela capacitação, principalmente, no sentido de promover a união das pessoas enquanto comunidade.
“Eu já tinha participado do programa Sebrae Delas, então, tenho um pouco mais de conhecimento sobre empreendedorismo, só que o Empretec me desafiou, principalmente, em relação à disciplina e planejamento. Foi uma experiência muito boa e inovadora que fez diferença não só para mim, mas para todas as participantes. Fiquei muito feliz que, dessa vez, as mulheres da comunidade se inscreveram para participar, porque isso é muito rico para nós e todas têm muito potencial. É algo que vai trazer mais união para o nosso grupo e nos ajudar a construir um futuro melhor”, celebrou Elisangela.
Para mais informações sobre ações de fomento ao empreendedorismo, acesse a Agência Sebrae de Notícias. Outros detalhes sobre o programa Cidade Empreendedora, executado em Brasilândia, pelo Sebrae em parceria com a Prefeitura Municipal, podem ser obtidas por meio do site cidadeempreendedora.ms.sebrae.com.br.